terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Operadora do caixa,

Diga-me o que fazer, me abençoa porque eu te amo.
Deito-me todas as noites e só durmo tranquila porque a maçã que comprei vem com o adesivo da sua morada, imagino e até ouço bem baixinho e doce sua voz suculenta dizendo "belo trabalho! Agora descanse, meu bem". Acordo todas as manhãs, movimento-me travada dentro do espaço que você me concebe e aceito de mão beijada. Espreguiço-me lentamente, meu marido acaricia-me os seios enquanto eu penso no troco que você me devolve linda e exausta, todos os dias. Visto-me, limpo os olhos das cores do sonho de meu mundinho e, prontos, cedo-os às cores vivas do mercado, Celebro pois não há nada a mais que eu possa esperar de uma vida em meio ao caos de viver. Caminho até o Super! mas não sem antes olhar-me ao espelho, ainda com os olhos sujos, e fabricar uma imagem pacífica de mim para mim mesma, imagem feminina de guerra. Então subo num salto pra ficar à sua altura e corro, quase caio. Volto para casa tensa pelo comentário trocado "Como tá caro" e peço-me perdão.
Todos os dias um simulacro disso e eu tendo que aguentar. Essa tua textura séria, empacotada... Esse sorriso falso mas que no fundo me completa de uma mínima auto-piedade.. Eu não sei se você me entende, mulher do caixa, mas às vezes queria que as horas acabassem. Nem passassem logo nem lentas demais, simplesmente não existissem. Porque com elas a gente tem que caminhar e antes disso nascemos, temos de nascer, depois nossos filhos e aí já viu. Eu os crio com a culpa de meus pais, você me perdoa? A minha culpa, tudo bem? Repassamos de geração em geração o cultivo desse hábito colonial de estacionar o carro novo e descer, pisar o mercado moderno, mesmo assim... eu quero morrer ao seu lado, com a tua mão macia me tocando porque hoje não tô bem, sabe? Aqui ainda falta alguma coisa... Amanhã vou voltar e provavelmente, pra me manter ativa nessa ternura fétida, talvez eu diga "tô te achando tão magra... O que aconteceu com você, meu bem? Olha, se de repente precisar de qualquer coisa... eu posso comprar qualquer coisa aqui, menos sal que não faz muito bem - ou é açúcar? Diz que sal também, ai, cada dia uma coisa, mas tá certo, a gente vai se adaptando, cada um caça com o que pode, né?" e que Rosana leu minha mão mística. Rosana é a minha vizinha que você vai conhecer porque eu te amo e tudo ficará bem. Então eu vou pedir pra você trocar minha mercadoria, vou comprar uma tragédia sem ressentimento e minha redenção será tudo. Encherei meu carrinho de cenouras e alfaces coloridas que me tocam tanto quanto você. No nosso quarto haverá um computador, assim como esse seu caixa, logo ao nosso lado, na escrivaninha, pra representar essa minha conquista, essa forma que assumo desde já. Meu marido cuidará das crianças e eu eternamente muda perante a austeridade, a imposição dos produtos seus. Alface, cebola... cozinharei nosso amor todos os dias com muito sal, muita carne como se te cortasse com um rasgo seco feito o barulho do consumismo, te engolirei, minha tragédia cintilante. Ahh como almejo por isso e batalho, a cada dia, batalho pela tua plenitude em minha casa, pelas suas formas pontudas...
Eu nasci aqui e tenho cabelos curtos, a pele cedeu um pouco à idade mas sou jovem ainda. Sou magra e mediana e sempre estou com um estampa florida, às vezes básica monocromática. Tenho a mania de deixar coisas inacabadas pelo caminho, assim como as roupas pelo apartamento, da minha primeira vez com Sérgio. Ele gritou do banheiro, acabou o papel higiênico. Agora eu vou correndo comprar porque antes das sete você e ainda está aí, no seu lugar. E dessa vez te entregarei essa carta, esse meu peso... Enfim vou buscar meu troco devido que prezo tanto, essa coisa dura de prata que quando cai ao chão soa seco no úmido de nossas almas químicas.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Nos perdemos em nós mesmos, mundo, em nossas intenções...