Perto demais da pele, que respirava demais e engolia seco, quis dizer mas não entendeu as pálpebras longínqüas e entorpecidas; balbuciou bem lento os olhos indecisos e enfim, abriu-os, como se fosse algo de imensamente grandioso - como um cego faria ao reconhecer a cor daquilo que se faz amor, das vergonhas e do pecado. Olharia abismado e perplexo, irresoluto; olharia todas aquelas cores frouxas e gritantes, exageradamente vivas; olharia a própria cor pálida, trêmula e dir-se-ia satisfeito, como se o embaço dos olhos fosse apenas um embaço dos olhos. Reconheceria vozes por cores e em tantos outros o faria como se fosse único sempre e por toda a vida dir-se-ia colorido e nunca embaçado, nunca embaçado e - abriu os olhos e sentiu a boca amarga. Sentiu-se tenro da boca e quis mais que o próprio desejo abrí-la de esporro, mas não lhe foi permitido. Passou então a língua macia e recém-nascida sobre os lábios ilesos e novatos, na esperança de abrí-los do jeito como se abre a boca, como se faz da carne. A barba era oleosa e a pele mais. O toque dos dedos sobre a cara transfigurada parecia ditar-lhe o tom da fome, a fome de todos e por todos que sentiu e nunca mais - sentira de novo, e de novo e outra vez. Pôs-se de pé pra frente e estalou o silêncio que já lhe era insuportável. Saltou à frente do espelho e viu-se: o próprio belzebu, o próprio, repetia assim em seguida, e deus e belzebu, e deus. Deus. Repetia em consciência, pra Deus e pro Diabo na terra do sol. Repetia, repetia, repetia... agora era insuportável, doce e azedo como sua própria saliva; era saboroso. Tão saboroso quanto fechá-los novamente (os olhos) e imprimí-los no reflexo impessoal do espelho - estavam fechados. Passou os últimos anos em frente ao espelho, quis levantar-se pro amor mas o próprio amor já era prometido e único e... de resto abria os olhos todos os dias às sete da manhã, voltava pra casa, pra rua, pra casa, pra TV e a telecólica e tomava banho e tomava banho e tomava banho e, enfim, fechava-os.