quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Sujeito

Perto demais da pele, que respirava demais e engolia seco, quis dizer mas não entendeu as pálpebras longínqüas e entorpecidas; balbuciou bem lento os olhos indecisos e enfim, abriu-os, como se fosse algo de imensamente grandioso - como um cego faria ao reconhecer a cor daquilo que se faz amor, das vergonhas e do pecado. Olharia abismado e perplexo, irresoluto; olharia todas aquelas cores frouxas e gritantes, exageradamente vivas; olharia a própria cor pálida, trêmula e dir-se-ia satisfeito, como se o embaço dos olhos fosse apenas um embaço dos olhos. Reconheceria vozes por cores e em tantos outros o faria como se fosse único sempre e por toda a vida dir-se-ia colorido e nunca embaçado, nunca embaçado e - abriu os olhos e sentiu a boca amarga. Sentiu-se tenro da boca e quis mais que o próprio desejo abrí-la de esporro, mas não lhe foi permitido. Passou então a língua macia e recém-nascida sobre os lábios ilesos e novatos, na esperança de abrí-los do jeito como se abre a boca, como se faz da carne. A barba era oleosa e a pele mais. O toque dos dedos sobre a cara transfigurada parecia ditar-lhe o tom da fome, a fome de todos e por todos que sentiu e nunca mais - sentira de novo, e de novo e outra vez. Pôs-se de pé pra frente e estalou o silêncio que já lhe era insuportável. Saltou à frente do espelho e viu-se: o próprio belzebu, o próprio, repetia assim em seguida, e deus e belzebu, e deus. Deus. Repetia em consciência, pra Deus e pro Diabo na terra do sol. Repetia, repetia, repetia... agora era insuportável, doce e azedo como sua própria saliva; era saboroso. Tão saboroso quanto fechá-los novamente (os olhos) e imprimí-los no reflexo impessoal do espelho - estavam fechados. Passou os últimos anos em frente ao espelho, quis levantar-se pro amor mas o próprio amor já era prometido e único e... de resto abria os olhos todos os dias às sete da manhã, voltava pra casa, pra rua, pra casa, pra TV e a telecólica e tomava banho e tomava banho e tomava banho e, enfim, fechava-os.

4 comentários:

Unknown disse...

uou

Henrique disse...

[b] Oo

" olha soh q cara estranho q chegou.."

lembra um filme q eu ja assiti duas vezes, mas soh percebi q era omesmo depois da metade, mas mesmo assim naum lembro o nome e por sinal o filme era ruim, diferente do texto ( eh obvio) pq fikou muito dahora.. naum tão dahora como um texto sobre lagartas e borboletas =P

Unknown disse...

Meni, não é o último post, mas não podia deixar de comentar aqui.
Gostei especialmente deste e do primeiro.
Quando você primeiro me mandou o link, comecei a ler "Absinto" antes de ver que era seu.
Achei que fosse mais um dos blogs legais que você conhece.
Confesso: levei um susto quando vi de quem era a autoria.
Mas não por pensar que você não seria capaz de um texto desses (eu bem sei que você é, já li Meni Miranda antes).
Foi mais uma ponta de orgulho, algo como: "caralho,eu CONHEÇO quem escreveu isso", sabe?

Enfim, parabéns.

Isa disse...

Esse sujeito
não sei se ele existe, se voce viu alguem assim e descreveu, ou se descreveu as pessoas em geral.
mas...acredito que como a gente, ele deva sentir uma enorme nostalgia, de tudo que vive, que viveu, e que não pode viver!